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Quem ganha e quem perde com a alta do dólar: o impacto do câmbio do turismo à indústria

Na noite de segunda-feira (25), uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, gerou pessimismo no mercado financeiro. "É bom se acostumar com juros mais baixos por um bom tempo e com o câmbio mais alto por um bom tempo", afirmou o ministro, em entrevista em Washington, capital dos Estados Unidos.

A reação veio rápida: o real fechou o dia de ontem cotado R$ 4,239. No dia, chegou a bater R$ 4,27, o maior valor nominal da história sobre o real.

Mas, na memória econômica do brasileiro, o sobe-e-desce da moeda tende a preocupar. A inflação vai subir? Os juros vão aumentar? Como essa alta pode afetar os planos financeiros para o ano que vem?

Para economistas ouvidos pela BBC News Brasil, os efeitos mais imediatos no bolso do consumidor tendem a ser no preço das viagens ao exterior — já que o câmbio influencia tanto nos gastos em dólar quanto no preço das passagens, e no preço dos combustíveis. Mas, se a alta persistir e se transformar em tendência permanente, os efeitos podem ser mais amplos, como, por exemplo, na inflação e nos custos para as empresas.

Segundo os analistas, a alta recente do dólar reflete a preocupação de investidores e gestores de recursos com as turbulências na América Latina, como os protestos no Chile e a incerteza política na Bolívia. "Os gestores trabalham por blocos. Para ele, real e peso argentino não têm grande diferença. [A variação cambial] é um processo que vem acompanhado de algum nível de volatilidade e incertezas na região", diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Os preços vão subir (ou os empresários vão lucrar menos)?

Segundo o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e analista de inflação, a alta do dólar ainda não começou a surtir efeito na inflação. "Não houve tempo para que a recente desvalorização impacte a inflação. Já os combustíveis — dada a política de reajustes da Petrobras — podem sofrer aumentos repassando efeitos cambiais mais rapidamente", diz. O repasse da variação cambial para os preços e para a inflação, que na linguagem econômica é chamado de "pass-through cambial", ainda não está ocorrendo, diz Braz.

Analisando um grupo de produtos comercializáveis, ou seja, que podem ser importados e exportados, Braz diz que a variação de preços acumulada em um ano ainda está desacelerando, ou seja: o câmbio não está forçando a alta desses preços.

No futuro, se a alta persistir, o aumento pode ser mais percebido pelo consumidor. "Ainda não vi alimentos com alta por conta de câmbio. O pão francês, por exemplo, dado que é intensivo em trigo (commodity agrícola) que o Brasil importa muito, pode repassar desvalorizações cambiais."

Mesmo a alta dos preços da carne bovina tem mais relação com a demanda da China, que tem aumentado diante de uma queda na produção de suínos no país, do que com o câmbio.

Michael Viriato, professor de finanças do Insper, diz que o desempenho fraco da economia brasileira funciona como um "desacelerador" do repasse da alta do câmbio para os preços ao consumidor. Ele cita o exemplo das vendas de Natal: se os lojistas aumentarem muito os preços podem acabar com produtos encalhados nas prateleiras.

"O que favorece a não repassar é nossa economia estar frágil, os consumidores não conseguem absorver o aumento dos preços. Se os empresários repassarem muito alto as pessoas não vão comprar. O que vai acontecer no curto prazo é um aperto de margem por parte dos empresários."

Para ele, quem vai ser mais favorecido no curto prazo será o turismo local, que abarcará os turistas que desistirem de viajar para fora.

Os exportadores vão ficar mais felizes?

Para entender como o sobe-e-desce do dólar influencia a economia, é preciso adotar uma lógica simples: ganha mais quem recebe pagamentos em dólar, e perde quem tem custos a pagar na moeda americana.

Mas, para os exportadores, a alta precisaria ser mesmo mais prolongada para que o aumento rendesse mais negócios e mais produtos vendidos no exterior. "Bens manufaturados [produtos industriais] não são commodities. A exportação envolve fatores como design, qualidade, serviços conexos, venda, contratos mais longos. Não se troca de fornecedor em um estalar de dedos. A reação leva mais tempo", diz Cagnin, do Iedi.

Desde seu início, 2019 não tem sido um bom ano para exportadores. De janeiro a setembro, o superávit comercial somou US$ 33,6 bilhões (quase R$ 142 bilhões), um montante 20% menor do que no mesmo período de 2018. Por trás desse desempenho fraco estão, inclusive, a profunda desaceleração do comércio mundial e a crise econômica em um parceiro importante como a Argentina.

"Geralmente a alta do dólar é um processo que vem acompanhado de algum nível de volatilidade. Só vai ter esse efeito benéfico se tiver a alta por mais tempo", diz.

Para Cagnin, o dólar pode ter efeitos negativos especialmente para os que dependem de insumos e maquinário importado. "O nível de atividade econômica atual é muito baixo então impacto em preços é menor do que no passado. Mas pode encarecer produtos importados e insumos importados na indústria."

Até quando vai durar essa alta do dólar?

"A volatilidade não é boa para ninguém. Só serve para dificultar as projeções", diz o professor Michael Viriato, do Insper, ilustrando como até para quem estuda muito o tema é difícil prever o futuro do câmbio diante de tanta oscilação.

Para Fernando Bergallo, diretor de câmbio da FB Capital, o dólar deve se manter acima dos R$ 4,00 pelo menos até o primeiro semestre de 2020.

Na análise de Bergallo, o aumento na velocidade dos cortes na taxa de juros acabou afastando investidores estrangeiros, afinal, a taxa fica cada vez mais próxima dos juros americanos que, apesar de darem retorno menor, são mais seguros.

"A queda da diferença entre as taxas de juros internas e externas é um dos motivos. Reduziram-se em muito os atrativos para que haja um fluxo de dólares para o mercado brasileiro. O Banco Central acelerou o ciclo de cortes dos juros básicos, trazendo-os a inéditos 5% ao ano e com perspectiva de chegarmos em 4,5% nos próximos meses."

Nas projeções do boletim Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central com a projeção de economistas para os principais indicadores, a moeda americana fechará o ano de 2019 cotada a R$ 4,10 — a projeção era de R$ 4 na semana passada. Para o fechamento de 2020, a previsão é de R$ 4 por dólar.

Em relatório divulgado nesta semana, a consultoria LCA afirmou que "cresceu a chance de que, em breve, passemos a projetar, nesse nosso cenário base, dólar e Selic um pouco mais altos do que ora projetamos. E cabe alertar que aumentaram os riscos de um quadro frustrante no ano que vem, com elevação de incertezas políticas e sociais ameaçando o andamento da agenda econômica".

Por que subiu tanto?

Em sua fala nos Estados Unidos na segunda-feira, o ministro Paulo Guedes disse não haver motivo para preocupação, porque a inflação está controlada e porque o câmbio desvalorizado facilita a exportação. Para ele, a valorização do dólar sobre o real reflete uma mudança de políticas no Brasil, que tem baixado os juros. Atualmente, a taxa Selic está em 5% ao ano.

Viriato, do Insper, diz que as turbulências políticas na América Latina criaram certo receio por parte dos investidores em relação aos ativos da região. "Recentemente, todas as moedas da região estão se desvalorizando (em relação ao dólar)."

Para a LCA Consultores, a alta do dólar também reflete a frustração dos mercados com os leilões dos blocos exploratórios de petróleo e gás do pré-sal, que resultaram na entrada de menos dólares do que se esperava. Além disso, reflete "a percepção de que os fundamentos das contas externas podem estar piorando. A revisão das contas externas divulgadas pelo Banco Central esta semana revelou que o déficit em conta corrente tem sido maior do que apontavam as estatísticas preliminares".

A LCA prevê, no entanto, que a pressão do câmbio tende a se acomodar, permitindo que os juros continuem caindo até chegar a 4,25% ao ano até fevereiro.